Confira a ENTREVISTA ESPECIAL concedida pelo ministro Márcio França ao Jornal do Comércio, publicada na edição desta segunda-feira (13)
Por Nícolas Pasinato
Dois meses após assumir o ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, o ex-governador de São Paulo Márcio França começa a anunciar as primeiras medidas da nova pasta sob o seu comando. Na semana passada, durante seminário de Políticas Públicas de Apoio às Micro e Pequenas Empresas na Assembleia Legislativa, expressou a possibilidade de uma atualização anual de 20% nos limites de enquadramento no Simples Nacional.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, França defende a elevação de limite anual do sistema de tributação simplificada, além de outras ações de apoio ao empreendedorismo, à microempresa e às empresas de pequeno porte que devem sair em breve.
O ministro também falou sobre a sua saída do Ministério os Portos e Aeroportos num movimento de acomodação do governo na busca de ampliar a base no Congresso e sobre a posição do seu partido, o PSB, nas eleições municipais do próximo ano.
Jornal do Comércio – Passados dois meses que assumiu esse novo desafio, qual é a prioridade na nova pasta?
Márcio França – Quando o presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) fez a convocação da mudança (de ministérios), era no meio do início do primeiro governo, intui que seria trabalhoso. Não poderia manter a equipe que montei para o Ministério de Portos e Aeroportos, porque o assunto é totalmente diferente. Sobre as prioridades do ministério, há cerca de 20 milhões de pessoas que chamamos de nano-empreendedores, que não estão em nenhum regime. São os motoristas de Uber, por exemplo. Então, se você somar essas pessoas com outras que estão no Simples (Nacional), vai dar 40 milhões. A primeira coisa a ser feita é atrair ou convencer essas pessoas que o governo não é seu adversário e de que não queremos identificá-las para cobrar impostos. Para atraí-las, é preciso ter algum tipo de benefício e uma das nossas preocupações é com a previdência. A preocupação do presidente é não deixar essas pessoas se sentirem excluídas, como se fizessem parte de um anti-Estado.
JC – E o que é possível fazer para atrair essas pessoas?
França – Por exemplo, temos um problema de que, quando foram criados os padrões de MEI e Simples, foram feitas tabelas. Essas tabelas ficaram congeladas, não foram atualizadas, porque implica certa renúncia fiscal. Atualizá-las é uma necessidade, porque não tem sentido o governo empurrar a pessoa para sonegar ou fraudar. Por exemplo, quando a pessoa vai chegando perto de R$ 81 mil no MEI, ela para de emitir nota ou, às vezes, abre uma segunda MEI no nome da esposa ou do filho para não ultrapassar o limite.
JC – O senhor defende a elevação desse limite?
França – Acho que não é só aumentar, que também é muito importante, mas tem que ser criado, da mesma forma que há no Imposto de Renda, uma regra mais segura para as pessoas, porque como há uma atualização de moeda, não é que a pessoa está ganhando mais, é que houve uma atualização do preço do que ela fazia. Qual é o sentido de o governo produzir uma política em que a pessoa é obrigada a chegar a R$ 80 mil e ao faltar R$ 1 mil, ela para de emitir nota? Seria muito mais lógico fazer o seguinte: se chegar, por exemplo, a R$ 97 mil, esses R$ 16 mil a mais serão colocado numa tabela diferente da primeira, mas você não vai perder a sua primeira parte. Segundo: as pessoas que estão fora de qualquer regime, que, por exemplo, recebe o Bolsa Família, mas que faz “comida para fora” e evita o MEI para não perder o benefício. Para elas, é preciso criar também uma transição, porque ninguém quer ser micro, ninguém quer ser pequeno. Quando alguém quer empreender, ele quer ser apenas empreendedor.
JC – Qual impacto a reforma tributária pode ter neste setor?
França – A reforma que nós criamos, que é basicamente o que tem de mais moderno no mundo, vai cobrar (tributo) na hora da venda e a linha para trás vai criar créditos, como se fosse uma espécie de cashback. Como se fosse o Imposto de Renda, que se você gastar com algo que você não gastaria, alguém te devolve. É possível que boa parte desse mundo que está aí submerso passará, com isso, a emergir. Se eles não estiverem preparados para isso, começaremos a ter problemas. Como o presidente disse, ele teve um governo para os excluídos, um governo para o trabalhador e aposentado, agora quer um governo para os empreendedores, que é uma nova característica do cidadão. As pessoas preferem esse modelo. Claro, sabemos que há o empreendedor de vocação e o empreendedor de necessidade, que, se tivesse um emprego bom, talvez não fosse empreendedor.
JC – Como observa o atual ambiente de negócios neste segmento?
França – O índice de fechamento é muito alto. Muita gente monta e depois desmonta o negócio. Você monta um determinado comércio ou atividade, o vizinho percebe que deu certo e monta um igual, aí outro monta um igual e assim segue até que todos quebram. O Sebrae faz um serviço importante, já que ele orienta bastante essas pessoas e tem um serviço relevante. No entanto, ele atinge uma camada. Alguém que mora numa comunidade humilde não frequenta o BNDES. Não faz uma aplicação para mexer o seu negócio. Esse sujeito tem que ser procurado de maneira diferente, temos que provocar essa pessoa, ela tem que entender que queremos ajudá-la e, para isso, é preciso, em primeiro lugar, identificá-la.
JC – E qual a ideia para identificar essas pessoas?
França – Temos o portal do MEI, que é bom, mas precisamos fazer dele um instrumento mais forte, onde a pessoa tenha sua própria senha e possa negociar. Por exemplo, quero emprestar R$ 12 mil. Entro lá, menciono essa vontade e o governo diz o rating do empreendedor, porque o governo sabe quantos Pixs ele passou e quem ele é. Então, o banco vai oferecer algo como 12% ou 14%. Podemos ter os estados e os municípios subsidiando parte desse juros, para poder animar a pessoa a pegar o dinheiro, a exemplo do “Pronampe Solidário”, que ofertou R$ 134 milhões em créditos a empresas afetadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul e já foram utilizados cerca de R$ 64 milhões. É um empréstimo em que há um aporte de 40% de governo e que demonstra a demanda que há no segmento.
JC – O Sebrae tem falado em criar um fundo garantidor para micro e pequenas empresas. Isso é possível?
França – Temos um fundo chamado FGO, que foi feito e tinha R$ 8 bilhões. Precisamos usar R$ 7 bilhões desses R$ 8 bilhões para fazer o Desenrola para a pessoa física. Agora, precisamos criar tipo um Pronampe, com o mesmo formato de empréstimo subsidiado facilitado, para pessoas jurídicas. Por exemplo, eu tinha um bar e tive problemas com a Covid. Meu bar não funcionou. Então, peguei dinheiro emprestado. Peguei numa época em que o juro tava baixo na comparação com hoje. Então você coloca 4% em cima dos da Selic, e o sujeito pagará 17% ou 18% de juros, o que é muito alto.
JC – A estrutura da pasta está do tamanho dos desafios que o segmento exige?
França – Disse ao presidente Lula que se ele quisesse dividir o Ministério da Pesca em pesca de camarão e pesca de peixe, topava ir para qualquer um dos dois. Fui prefeito, fui governador. Quando a pessoa sabe se virar, ela vai se destacar em qualquer lugar que for colocada. Você pode ser zagueiro, mas na hora do escanteio, qualquer um pode subir, cabecear e marcar o gol. Claro que são ambientes totalmente diferentes, portos e aeroportos é um assunto limitado a alguns lugares, a um grupo empresarial de gente grande. Ninguém que mexe com porto e aeroporto é pequeno, fora os trabalhadores, claro. Nesse tempo, deixamos montado o Voa Brasil, que o novo ministro deu sequência e vai anunciar até o final do ano passagens por R$ 200,00, que é uma coisa revolucionária e vai ocupar um espaço de ociosidade. Fizemos o que precisava ser feito. Quando ele precisou da maioria numérica no Congresso, fez o arranjo que achava necessário. A prioridade era aprovar a reforma tributária e o arcabouço fiscal, porque um governo, quando acerta na política e na economia, ele acerta 90%. Lula pegou então alguém experiente, que já passou por muitas situações, e me lançou esse desafio, pois quando não se tem essa experiência, você fica patinando na máquina pública.
JC – Essa pasta foi criada em um contexto em que o governo buscava abrir espaço para representantes de outros partidos. Como encarou a decisão do governo naquele momento e que resultado já é possível observar?
França – O efeito numérico, do voto no Congresso, imagino que Lula sabia que não iria aumentar significativamente. Isso foi feito para poderem justificar o voto com o governo. Quando fizemos a opção de ter (Geraldo) Alckmin (PSB) vice de Lula, possibilitamos quem não costuma votar no PT e no Lula de dizer: “Mas agora tem o Alckmin”. A pessoa queria encontrar uma desculpa. Muitos parlamentares dos partidos do Centrão queriam essa desculpa para acompanhar o governo nas decisões e agora têm, uma vez que possuem representantes no ministério, o que não quer dizer que o número de votos automaticamente aumentará, mas basta que as pautas prioritárias sejam aprovadas.
JC – Qual a sua motivação neste novo desafio?
França – O que vale a pena é você pegar um assunto que não era a sua especialidade ou não era seu dia a dia e encontrar nesse assunto onde está a ponta para melhorar a vida das pessoas. Politicamente, é algo muito mais abrangente em relação aos portos e aeroportos, porque são 17 milhões de MEIs no Brasil que se comunicam pouco com o governo. Elas entram no aplicativo para emitir nota ou obter uma que outra informação, mas é possível falar muito mais para elas e dizer “você é a pessoa que nós queremos, você é quem gera emprego, você pode crescer o mundo da indústria ou o mundo do agro”.
JC – Há algum plano a ser anunciado em breve?
França – Quando Lula fez, no primeiro mandato, o Bolsa Família ele juntou vários programas que existiam e transformou num só. Ninguém tem dúvidas hoje sobre o que é o Bolsa Família. Então esse agrupamento de programas facilita o entendimento e também o apoio político. Como o presidente falou, é preciso de uma política de Estado para o setor. Esse assunto estava dentro do Ministério de Indústria e Comércio. Agora, você acha que uma pessoa que é comerciante e pequeno empresário aqui de Porto Alegre ou em qualquer cidade tem condição de ir até Brasília falar com o ministro da Indústria? Os grandes empresários têm. Então, o que o governo e o presidente Lula queriam ao criar o ministério foi ter alguém, uma voz, em defesa desse setor.
JC – Qual a posição do PSB sobre as eleições municipais, em especial, sobre São Paulo, onde se desenha uma disputa no campo da esquerda?
França – Vamos apoiar a (deputada federal) Tábata Amaral. Quando ingressou no partido, ela ingressou com essa vontade, e a gente assumiu o compromisso com ela, de que ela seria candidata. Ela é bem jovem, tem 29 anos, mas largou muito forte. Em São Paulo, tem basicamente uma polarização colocada, que tem de um lado um prefeito (Ricardo Nunes, MDB), que não é um bolsonarista típico e o (Guilherme) Boulos (PSOL). Ela vai entrar no miolo para disputar dos dois lados, contando com algumas vantagens que nenhum dos dois têm . Ela é verdadeiramente uma pessoa da periferia, com uma origem muito humilde. Uma coisa é você contar a história de alguém ou de uma parcela da sociedade outra coisa é você ter passado por essa história. Ela também é muito preparada, formada em Harvard. É uma pessoa diferenciada. E ela tem uma estrela diferente, de alguém tão jovem e já com tanto destaque. No Brasil, temos algumas candidaturas importantes, como em Recife com o João, filho de Eduardo Campos, que está indo muito bem. Mas sabemos que não temos mais fôlego para ter candidaturas em todos os lugares. Precisamos ter um certo discernimento. O PSB é um partido com quase 80 anos, então temos uma tradição dessa independência de posições. Temos um aliado, em especial, com o PT e com o Lula, mas nós não somos nem do PT e nem do Lula. Somos de outro partido e temos posições que, às vezes, criam disputas.
Perfil
Ex-governador de São Paulo, Márcio França é advogado, com especialização em Direito Administrativo e Constitucional. Atuou como oficial de Justiça por nove anos. Foi vereador por dois mandatos em São Vicente (SP) e depois eleito prefeito, em 1996. Criou um projeto para inclusão de jovens vulneráveis que reduziu a criminalidade em 72%. Foi reeleito prefeito em 2000, com 93,1% dos votos válidos, recorde brasileiro em cidades acima de 100 mil eleitores. Deputado federal por duas vezes, assumiu a liderança do PSB na Câmara e integrou, por quatro vezes consecutivas, a lista dos 100 parlamentares mais influentes do Congresso Nacional, segundo pesquisa Diap. Em 2011, recebeu convite do então governador Geraldo Alckmin para criar a Secretaria de Turismo de SP. Em 2014, França foi eleito vice em São Paulo e também assumiu a pasta de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação. Assumiu o governo de SP em abril de 2018, quando Alckmin entrou na disputa pela presidência da República. No mesmo ano, concorreu ao governo de SP, mas perdeu para João Doria (PSDB). Filiado ao PSB desde 1988, sua única sigla, é presidente estadual do partido.
Fonte: Jornal do Comércio